quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Lenda de Anam

Como as flores, a orquídea tem uma lenda. Eis a encantadora história, como é contada nas terras da Indochina. O Anam havia sido conquistado pelos chineses havia três-quartos de século. Essa formosa terra apesar da tirania do usurpador ainda conservava límpidas e perenes as tradições do santo rei Hung IV. Budha não deixaria de proteger esse povo trabalhador e submisso porque as amendoeiras continuavam a florir.

Na cidade existia uma jovem famosa chamada Hoan-Lan que divertia-se em fazer penar suas paixões aos seus numerosos adoradores. Por um sorriso o jovem Kien-Fu tinha cinzelado o ouro mais fino e trabalhado com infinita paciência as mais lindas peças de jade. A ingrata após ter sido adornada com todos os presentes do nobre apaixonado riu dele e o desprezou. Kien-Fu, desesperado, acabou com a própria vida atirando-se no Rio Vermelho.

O pintor Nguyen-Ba conseguiu obter cores desconhecidas para pintar o retrato de sua amada. Esta, porém após ter-se exibido para satisfação de sua vaidade à magnífica pintura, desprezou o artista que por sua vez desapareceu para sempre no mistério das selvas.

Mai-Da apaixonado também quis patentear seu amor à jovem volúvel inventando um perfume delicioso somente digno dos anjos. A ingrata perfumou-se e mandou pôr na rua o seu adorador que nada mais aspirando na vida envenenou-se.

Cung-Le levou sua perseverança a incrustar nácar numa pulseira de ébano que foi recebida pela ingrata. O pobre enlouqueceu. Mas o poderoso Deus das cinco flechas, deus que a tudo via e tudo ordenava, julgou que era o momento de castigar tanta maldade fazendo a jovem volúvel apaixonar-se pelo formoso Mun-Cay.

Desde então, Hoan-Lan sonhava ao seu leito de nácar e sedas bordadas com seu adorado, cujo nome esvoaçava sobre seus lábios de carmim como uma borboleta sobre a rosa. Ao despertar descia à piscina, banhava-se e adornava-se com suas jóias mais preciosas para ver passar seu querido Mun-Cay que apenas dignava-se em levantar os olhos para ela. Nunca tinha considerado a formosa jovem, nem se interessado pela fama de beleza que tinha ardido à sua volta.

Os dias iam passando e Mun-Cay não saía de sua indiferença cruel. Um dia Hoan-Lan decidiu sair ao seu encontro e declarar-lhe sua paixão. “Não me interessas, rapariga.” – disse ele – “És como todas as outras, para mim não vales nada. Se fosses como aquela que eu amo...esta sim é uma deusa. Tu, mísera Hoan-Lan, com toda tua vaidade não serves nem para atar-lhe as fitas das sandálias.” E com um sorriso desdenhoso afastou-se.

Em meio de seu desespero, Hoan-Lan lembrou-se do deus todo poderoso que vivia na montanha de Tan-Vien. Talvez ele pudesse lhe valer. Apesar da noite escura e chuvosa a jovem dirigiu-se ao monte sagrado, onde residia sua última esperança. A entrada do templo subterrâneo era guardada por um terrível dragão.

Hoan-Lan suplicou-lhe a concessão de entrada e ao cabo de muitos pedidos conseguiu penetrar num extenso corredor por entre serpentes horríveis que lhe babujavam os pés nus. Quando chegou junto ao trono de Ônix, o poderoso gênio, prostou-se e implorou – “Cura-me, que sofro horrorosamente. Amo Mun-Cay que me despreza.”

“É justo o castigo,” – respondeu o deus – “porque isso mesmo tens feito aos teus apaixonados.” “Ó todo poderoso, tens dó de mim. Concede-me o amor de meu querido Mun-Cay. Sabes bem que não posso viver sem ele.” “Vai-te daqui .” - rugiu o gênio - “Nada conseguirás. O castigo que pesa sobre ti, foi imposto pelo Kama que tudo sabe. É justo que sofras. Saia do meu templo.”

À saída, Hoan-Lan encontrou-se com uma bruxa de pés de cabra. “Formosa jovem,” – disse-lhe a bruxa – “sei que és muito desgraçada. Queres vingar-se de Mun-Cay? Vende--me a tua alma e juro-te que embora Mun-Cay não te ame, não amará a outra mulher."

Hoan-Lan voltou a sua casa que lhe parecia um cárcere. Saía para os bosques a distrair sua pena, mas sempre em vão. Um dia, vendo ao longe seu adorado Mun-Cay, correu ao seu encontro e quando se preparava para abraçá-lo, o jovem foi transformado numa árvore de ébano.

Neste momento apareceu a bruxa que soltando uma gargalhada lhe disse: “Desta maneira teu amado não pode ser nunca de outra mulher.”

“Bruxa infame!” – exclamou chorando, a pobre Hoan-Lan – “O que fizeste a meu adorado? Devolva-me ou mata-me.” “Contratos são contratos.” – replicou a bruxa rindo satanicamente – “Cumpri o que prometi. Mun-Cay, embora nunca te ame, não amará a outra mulher. Prometi e cumpri. A tua alma me pertence."

Hoan-Lan abraçada ao pé da árvore, chamava desesperadamente o seu tronco imóvel. “Perdoa-me Mun-Cay. Tens para mim uma só palavra de amor, de indulgência e compaixão. Não vês como me arrasto aos seus pés, como te abraço e como sofro?”

Mas a árvore nada respondia. A jovem ali ficou por muito tempo. Uma manhã passou ali um gênio que se compadeceu da sua dor. Acercando-se dela, pôs-lhe um dedo na testa e disse: “Mulher procedeste muito mal, foste volúvel até a crueldade e ingrata até a malvadez. Procedeste muito mal. Mas tua dor purificou a tua alma, estás perdoada e vais deixar de sofrer. Antes que a bruxa venha buscar a tua alma, vou transformar-te numa flor. Ficarás sendo, no entanto, uma flor esquisita e requintada que dê impressão do que foi a tua vida maldosa. Quem ver as tuas pétalas facilmente adivinhará o que foi o teu espírito. Caprichoso, volúvel, cruel e a tua preocupação constante pela elegância. Concedo-te um bem, não te separarás do bem que adoras e viverás da sua seiva, parasita do teu amado.”

Assim falou o poderoso gênio. E, quando falava, a túnica rósea de Hoan-Lan ia empalidecendo e tornando-se de uma delicada cor lilás. Os olhos da jovem brilharam como pontos de ouro e as suas carnes tomaram a tonalidade do nácar. Os seus formosos braços enrolaram-se na árvore na derradeira súplica.

E assim apareceu a primeira orquídea do mundo segundo a lenda do Anam.


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